Em certas cosmogonias, não é estranho encontrar divindades consideradas mais antigas que o próprio universo. Essas divindades geralmente estão associadas ao início da criação. É o caso de Nanã Buruquê, a suprema deusa africana.
Embora Nanã Buruquê tenha se originado na mitologia Fon, ela também é encontrada em outras religiões, incluindo a mitologia iorubá e religiões da diáspora africana, como o candomblé brasileiro e a Santeria cubana.
Quem é Nanã Buruquê?
Nanã Buruquê, Nana Buluku, Nanã, Anamburucu, Borocô ou
Nanamburucu era originalmente uma divindade da religião Fon. O povo Fon é um
grupo étnico do Benin (localizado particularmente na parte sul da região), com
um sistema bem organizado de divindades que constitui o panteão Vodu.
Na mitologia Fon, Nanã Buruquê é conhecida como a divindade
ancestral que deu à luz os gêmeos divinos Mawu e Lisa, respectivamente a lua e
o sol. É digno de nota que às vezes essas duas divindades são simplesmente
tratadas como o deus primal-dual Mawu.
Apesar de estar associada ao início da criação, Nanã Buruquê
não participou do processo de ordenação do mundo. Em vez disso, depois de dar à
luz seus filhos, ela se retirou para o céu e lá permaneceu, longe de todos os
assuntos terrenos.
Além de ser uma divindade primária, Nanã Buruquê também está
ligada à maternidade. No entanto, alguns mitos Fon também sugerem que Nanã
Buruquê é uma divindade hermafrodita.
O Papel de Nanã Buruquê
No relato Fon da criação, o papel de Nanã Buruquê é
importante, mas também um tanto limitado, pois ela criou o universo, deu à luz
os deuses Mawu e Lisa, e logo depois se retirou do mundo.
Curiosamente, Nanã Buruquê nem tenta governar a terra
através de outras divindades menores, como faz o supremo e celestial deus
iorubá Olodumarê.
Na mitologia Fon, os verdadeiros protagonistas da criação
são Mawu e Lisa, que após a partida de sua mãe, decidem unir forças para dar
forma à Terra. Mais tarde, os dois deuses povoam o mundo com divindades,
espíritos e humanos menores.
Vale a pena notar que os gêmeos divinos de Nanã Buruquê também
são a personificação da crença Fon sobre a existência de um equilíbrio
universal, criado por duas forças opostas, mas complementares. Essa dualidade é
bem estabelecida pelos atributos de cada gêmeo: Mawu (que representa o
princípio feminino) é a deusa da maternidade, fertilidade e perdão, enquanto
Lisa (que representa o princípio masculino) é a deusa da força guerreira,
virilidade, e dureza.
Nanã Buruquê na Mitologia Iorubá
No panteão iorubá, Nanã Buruquê é considerada a avó de todos
os orixás. Apesar de ser uma divindade comum para muitas culturas africanas da
costa oeste, acredita-se que os iorubás assimilaram o culto de Nanã Buruquê diretamente
do povo Fon.
A versão iorubá de Nanã Buruquê é semelhante em muitos
aspectos à deusa Fon, no sentido de que os iorubás também a descrevem como uma
mãe celestial.
No entanto, nesta reimaginação da divindade, a história de
fundo de Nanã Buruquê torna-se mais rica, pois ela deixa o céu e volta à terra
para morar lá. Essa mudança de residência permitiu que a deusa interagisse com
mais frequência com outras divindades.
No panteão iorubá, Nanã Buruquê é considerada a avó dos
orixás, assim como uma das esposas de Obatalá. Para o povo iorubá, Nanã Buruquê
também representa a memória ancestral de sua etnia.
Atributos e Símbolos de Nanã Buruquê
De acordo com a tradição iorubá, uma vez que a deusa
retornou à terra, ela começou a ser considerada a mãe de todos os falecidos.
Isso porque acredita-se que Obatalá os acompanha durante sua jornada para a
terra dos mortos e também prepara suas almas para renascer. A noção de
reencarnação é uma das crenças fundamentais da religião iorubá.
Em seu papel de mãe dos mortos, Obatalá está fortemente
associada à lama, uma conexão baseada na ideia de que a lama se assemelha ao
útero materno em muitos aspectos: é úmido, quente e macio. Além disso, no
passado, era em áreas lamacentas onde os iorubás tradicionalmente enterravam
seus mortos.
O principal fetiche ritual ligado a Obatalá é o ibiri, um
cetro curto feito de folhas secas de palmeira, que simboliza os espíritos dos
mortos. Nenhum objeto de metal pode ser usado nas cerimônias do culto de Obatalá.
O motivo dessa restrição é que, segundo o mito, em certa ocasião a deusa teve
um confronto com Ogum, o deus do ferro.
Na Santeria cubana (religião que evoluiu da iorubá), o
triângulo isósceles, símbolo yônico, também é amplamente associado ao culto da
deusa.
Cerimônias Relacionadas a Nanã Buruquê
Uma prática religiosa comum entre o povo iorubá envolvia
derramar água na terra, sempre que os adoradores tentavam apaziguar Nanã
Buruquê.
Na Santeria cubana, quando alguém está sendo iniciado nos
mistérios de Nanã Buruquê, a cerimônia de iniciação envolve desenhar um
triângulo isósceles no chão e derramar cinzas de tabaco dentro dele.
O aleyo (a pessoa que está sendo iniciada) deve usar o eleke
(o colar de contas consagrado a Nanã Buruquê e segurar o ibiri (o cetro da
deusa).
Na tradição da Santeria, as ofertas de comida para Nanã
Buruquê consistem em pratos feitos principalmente com gordura de porco sem sal,
cana e mel. Algumas cerimônias de Santeria cubana mostram respeito à deusa
incluindo também o sacrifício de galinhas, pombos e porcos.
Representações de Nanã Buruquê
No candomblé brasileiro, a representação de Nanã Buruquê é
semelhante à da religião iorubá, a única diferença significativa é que o
vestido da deusa é branco com motivos azuis (ambas as cores associadas ao mar).
Sobre a ligação de Nanã Buruquê com o reino animal, na Santeria
cubana acredita-se que a deusa pode assumir a forma da Naja, uma cobra grande e
amarelada, da família das jiboias. Quando disfarçada de cobra, a deusa protege
outras criaturas de serem feridas, especialmente com armas de ferro.
Conclusão
Nanã Buruquê é uma antiga divindade adorada por muitas
culturas africanas da costa oeste. Ela é a criadora do universo na mitologia
Fon, embora mais tarde tenha decidido adotar um papel mais passivo, deixando
seus filhos gêmeos encarregados da tarefa de moldar o mundo.
No entanto, de acordo com alguns mitos iorubás, a deusa
abandonou o céu depois de algum tempo e mudou sua residência para a Terra, onde
pode ser encontrada perto de lugares lamacentos. Nanã Buruquê está associada à
maternidade, reencarnação e corpos de água.